19 de jul. de 2014

Hilda Hilst

Acho que todo mundo já leu algo que gostaria de ter escrito ou ouvi uma música que parece ter sido feita para você.

“Do Desejo

Na tua cama? Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas Obscenas, porque era assim que gostávamos. Mas não menti gozo prazer lascívia Nem omiti que a alma está além, buscando Aquele Outro. E te repito: por que haverias De querer minha alma na tua cama? Jubila-te da memória de coitos e de acertos. Ou tenta-me de novo. Obriga-me."
Exatamente o que senti quando li esse poema de Hilda Hilst, a sensação de que ela escreveu exatamente o que eu gostaria de dizer, infinitamente melhor do que eu mesma. E é um deleite ver “nosso” pensamento na escrita de quem sabe escrever de fato.

É como escreveu, se não me engano, Lygia Fagundes Telles, por sinal melhor amiga de Hilda, "Falar por aqueles que esperam de nós a palavra que gostariam de dizer." É algo que eu vejo como simplesmente místico.

Poetisa, escritora e dramaturga, nascida em Jaú (1930), faleceu em Campinas em 2004. Abordou assuntos ditos controversos como lesbianismo, homossexualidade e pedofilia em suas obras, mas em uma entrevista ao “Cadernos de Literatura Brasileira” Hilda disse que buscava em seu trabalho retratar a difícil relação entre Deus e o homem... não pode haver assunto mais controverso!!



Estou conhecendo um pouco da obra de Hilda Hilst.

“Tô Só


Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.”
Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP




(Originalmente: 11/09/10)
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